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Apresentamos a Moro 19 questões sobre seu projeto “anticrime”

A bancada do PSOL na Câmara dos Deputados apresentou nesta quarta-feira (6) um requerimento de informações endereçado ao ministro Sérgio Moro, da Justiça e Segurança Pública, acerca do anteprojeto que está sendo conhecido como “anticrime”, que ele apresentou à imprensa e a governadores no dia 4 de fevereiro.

O projeto – no mínimo controverso – quer colocar na lei, por exemplo, a impunidade a policiais que matarem em serviço e estiver sob “escusável medo, surpresa ou violenta emoção” – o que vem sendo considerado por especialistas da área uma verdadeira licença pra matar.

Para além disso, diversas questões importantes pairam sobre a proposta – que ainda não tem texto oficial apresentado. Por exemplo: também segundo especialistas, a população carcerária vai explodir ainda mais se o projeto vingar, já que ele visa dificultar a progressão de regime.

O nosso requerimento trata desses e de diversos outros pontos. São 19 questões apresentadas.

Conheça uma por uma (caso prefira ler o documento original, pode clicar aqui):

1 – O Anteprojeto apresentado tem sido amplamente criticado por especialistas. A maior preocupação dos estudiosos tem sido a ‘licença para matar’, ou seja, a possibilidade de um dispositivo que legalize a execução sumária por parte das forças de segurança.

O Brasil tem a polícia que mais mata e mais morre no mundo. Em 2017, as polícias brasileiras foram responsáveis por 5.144 mortes no país, uma média de 14 por dia, de acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Esse índice vem crescendo: aumentou 26,8% em 2016 e 20,5% em 2017.

Diante desses dados, este Ministério considera que é adequada essa inovação legal? Esse dispositivo não alimenta a lógica do confronto, o aumento da violência policial e contra policiais?

2 – Para especialistas, se o projeto entrar em vigor, haverá uma explosão da população carcerária no Brasil. Há alguma investigação empírica prévia, dados ou estudo técnico que estime o impacto do anteprojetona população carcerária brasileira? Quais os fundamentos para alteração no sistema de progressão de regime?

3 – Há estudos ou evidências que comprovem que as medidas anunciadas referentes ao endurecimento do regime de cumprimento de pena produzirão impacto positivo na diminuição da violência?

4 – O estudo “Quando a polícia mata”, coordenado pelo professor Michel Misse na cidade do Rio de Janeiro, durante o ano de 2005, revelou que, dos 510 registros de ocorrência sobre autos de resistência, nos quais 707 pessoas foram vitimadas, apenas 355 tornaram-se inquéritos policiais. Três anos depois da realização da pesquisa, somente 19 desses casos foram levados à Justiça Criminal. Dos 19 que chegaram à Justiça, 16 foram encaminhados ao Ministério Público com pedido de arquivamento e em apenas três casos foi oferecida denúncia ao Poder Judiciário. O estudioso afirmou que o número de inquéritos policiais de autos de resistência, tramitando no TJRJ, arquivados ou que não tiveram denúncia oferecida, alcança a cifra de 99,2% do total.

Segundo a CPI dos autos de resistência realizada na ALERJ em 2016, em 98% dos casos de auto de resistência, a investigação foi arquivada, o que demonstra um ciclo de legitimação do assassinato pelo Estado.

Por que o anteprojeto não trouxe nenhuma medida que se proponha a reduzir a violência e letalidade policial? O Ministério da Justiça e Segurança Pública tem algum plano para enfrentar esse grave problema?

5 – Quais foram as medidas adotadas por este Ministério para melhorar as condições de trabalho dos policiais brasileiros, inclusive em termos de carreiras e estruturas, governança, gestão ou sistemas de informação e inteligência? Há alguma razão para o anteprojeto apresentado não tratar desses temas?

6 – Qual o fundamento técnico para alteração legal do crime de resistência?

7 – Há alguma experiência internacional consistente que demonstre que a ampliação do sistema carcerário causou redução dos índices de violência? Se sim, qual o exemplo internacional?

8 – O Código Penal já prevê que não há crime, quando se trata de estrito cumprimento de dever legal ou exercício da legítima defesa, definida como uso moderado dos meios necessários, para repelir “injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. A legítimadefesa deve ser praticada, segundo legislação há muito consagrada no direito brasileiro, para repelir a agressão, e não como pretexto para cometer abusos ou vinganças. Por isso, o Código Penal estabeleceexpressamente que o agente responderá “pelo excesso doloso ou culposo” que cometer.

Esse dispositivo não permite que o excesso doloso e culposo deixede ser responsabilizado pelo Juiz? Não há a preocupação por parte deste Ministério de que isso dificulte ainda mais a responsabilização dos feminicídios cometidos no Brasil?

9 – Pressupõe-se que uma política pública para a área de segurança deve ser fortemente ancorada em dados, evidências cientificas e experiências internacionais.

Há estudos ou evidências que comprovem que as medidas anunciadas podem diminuir os números da violência e da corrupção no Brasil? Se sim, solicitamos a íntegra dos documentos.

10 – O Ministro Sérgio Moro afirmou, em coletiva de imprensa paraapresentação do anteprojeto, que “conversou com muita gente sobre o projeto”. Entretanto, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em nota, criticou o governo por não ter consultado os profissionais de segurança, a sociedade civil organizada, o Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social e o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, na elaboração do projeto.

Diante disso, indagamos: o Ministério da Justiça e Segurança Pública consultou entidades, órgãos governamentais, especialistas ou organizações não governamentais, para obter subsídios para elaboração do anteprojeto? Se a resposta for afirmativa, listar os nomes. Requer-se, também, que sejam enviadas cópias dos documentos resultantes dessas consultas, encontros e/ou reuniões.

11 – O Supremo Tribunal Federal considerou a vedação da progressão de regime prisional contrária à garantia constitucional de individualizaçãoda pena. O mesmo juízo foi feito acerca da obrigatoriedade de cumprimento de pena no regime inicial fechado. Tais entendimentos constam na súmula vinculante nº 26 do STF.

Ambos os pontos constam no anteprojeto apresentado. Tais entendimentos constitucionais foram levados em consideração no momento da elaboração do referido anteprojeto?

12 – No mesmo sentido da pergunta anterior, a súmula 145 do STF atesta que “Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”. Como compatibilizar tal entendimento constitucional com a possibilidade, constante do anteprojeto, da atuação de agentes infiltrados?

13 – Com o acordo penal, constante do anteprojeto apresentado, o Ministério Público realiza acordo diretamente com o acusado, o qual pode abrir mão de suas garantias constitucionais, como o devido processo legal, a ampla defesa, o contraditório e a possibilidade de apresentação de recursos, para aceitar de pronto a sua condenação e ter de cumprir a pena no regime de cumprimento definido pela própria instituição acusadora.

Como compatibilizar tal instituto com o direito fundamental àinafastabilidade da jurisdição (CF, art. 5o, XXXV): “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”?

14 – O instituto do “plea bargaining” – que serve de modelo para as propostas de acordo penal introduzidas no anteprojeto – tem se revelado problemático nos Estados Unidos, de onde se pretende importá-lo. Com a conclusão de mais de 97% dos processos criminaisnesse país mediante o acordo penal, a função de julgar foi transferida, sistemicamente, dos juízes para os promotores. Com a redução do juiz a uma função residual (de homologar acordos já celebrados pelas partes, devendo deixar de fazê-lo somente em caso de manifesta ilegalidade ou desproporcionalidade), o processo penal passa a ser conduzido basicamente pelo Ministério Público, o que gera severas distorções: um mesmo órgão desempenha as funções de acusador e sentenciador, na prática.

O modelo do “plea bargaining” (ou justiça penal negociada) tem sidocada vez mais criticado pelos próprios americanos.

Não há a preocupação deste Ministério com a importação desse modelo para o Brasil – inclusive em termos constitucionais?

15 – Não seria mais eficiente que o anteprojeto focasse na melhoria do aparato policial, investimento de inteligência e eficácia das investigações? Isso não poderia trazer melhor qualidade na formação da prova e na punição de reais culpados?

16 – Quais foram as medidas adotadas por este Ministério para fortalecer a fiscalização das fronteiras?

17 – A audiência de custódia é o instrumento processual que determina que todo preso em flagrante deve ser levado à presença da autoridade judicial, no prazo de 24 horas, para que esta avalie a legalidade e necessidade de manutenção da prisão. A previsão legal encontra-se, desde muito, em tratados internacionais, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Vem sendo aplicada no Brasil desde 2016, por iniciativa do Conselho Nacional de Justiça.

Trata-se de uma medida fundamental para gerar um processo penal mais célere e reduzir o alto índice de presos provisórios no Brasil, uma das principais causas do inchaço do nosso sistema penitenciário.

O Ministério da Justiça e Segurança Pública tem planos para cooperar com o CNJ e acelerar a expansão das audiências de custódia para todo o Brasil?

18 – O novo dispositivo legal trazido pelo art. 84-A do anteprojeto apresentado, inserido no Código de Processo Penal, no Capítulo VII – da competência pela prerrogativa de função, visa a separar os processos cujos réus sejam pessoas com foro com prerrogativa de função dos que não têm esta garantia, violando, a princípio, a regra de continência.

A nosso juízo, o risco desta proposta é submeter dois agentes que praticaram o mesmo ato a resultados diferentes, causando uma injustiça para a parte prejudicada ou que tiver uma pena mais agravada.

Nos parece claro que, nessa hipótese, o “peixe pequeno”, que não tem foropor prerrogativa de função, será seletivamente mais punido que o “peixe grande”. Ou seja, sua proposta visa a proteger políticos detentores de foroprivilegiado.

Diante dessa proposta de alteração do código de processo penal, seria possível termos diferentes penas para dois réus condenados pelo mesmo crime? No caso do motorista Queiroz e do Senador Flávio Bolsonaro, por exemplo, seria possível a existência de duas decisões distintas sobre o mesmo fato?

19 – Solicita-se cópia de estudos do corpo técnico do Ministério da Justiça e Segurança Pública, relatórios, pareceres ou notas técnicas que tenham fundamentado as propostas que constam no anteprojeto de lei, bem como atas de reuniões e todos os outros documentos pertinentes.

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