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Guilherme Boulos | Moro, Bolsonaro e Duterte

Originalmente publicado na Carta Capital.

O pacote anticrime do ministro é uma licença para matar. Nas Filipinas, presidida por uma versão asiática do “Mito”, a mesma autorização tem provocado um banho de sangue.

Sérgio Moro anunciou seu pacote “anticrime”. O texto que será submetido ao Congresso Nacional prevê, dentre outras medidas, a possibilidade de absolvição de policiais que matarem em serviço, se o “excesso” decorrer de “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.

Além das limitações gerais do documento, esse trecho tem sido duramente criticado por especialistas em segurança pública e entidades de defesa dos direitos humanos.

Quem não sente medo, surpresa ou emoção durante uma operação policial em cidades violentas como as nossas? No fim das contas, a medida fabrica uma jurisprudência inconstitucional e perversa: a da “carta branca” para a pena de morte praticada por agentes públicos, ademais sem julgamento ou direito de defesa.

A proposta também reforça sombrias aproximações entre o Brasil e as Filipinas, com Jair Bolsonaro e Rodrigo Duterte. Em seu último comício antes de ser eleito em 2016, Duterte gritou: “Esqueçam as leis sobre direitos humanos!” E anunciou: “Vocês, traficantes, assaltantes e canalhas, seria melhor que fossem embora, porque vou matá-los!”

Coincidentemente, o filipino é acusado de, no passado, ter liderado “esquadrões da morte”, semelhantes à milícia suspeita de matar Marielle Franco e de ter ligações com a família do presidente brasileiro. Depois que assumiu, Duterte iniciou uma sangrenta “guerra às drogas”, autorizando policiais a atirar em suspeitos que “resistissem à prisão” e prometendo acabar com o narcotráfico.

Qualquer semelhança com “mirar na cabecinha e atirar” ou “bandido vai pro cemitério” não é mera coincidência. Tampouco é coincidência um projeto de lei que anistia homicídios de forças do Estado motivados por medo, surpresa ou emoção.

Nas Filipinas, desde que Duterte iniciou sua cruzada, os dados oficiais contabilizam cerca de 5 mil assassinatos desta forma. Organizações como a Humans Right Watch apontam ao menos o triplo, incluindo massacres feitos por grupos organizados paraestatais.

Parentes de vítimas testemunharam que usuários de droga eram arrastados para fora de suas casas e baleados a curta distância. Uma criança de 2 anos chegou a ser despida e submetida a um exame anal para procurar drogas da mãe. Entre os mortos estão ativistas, defensores de direitos humanos, camponeses e indígenas, parte deles classificados como “terroristas” em listas divulgadas pelo governo. Ou seja, o dito combate ao crime e às drogas foi pretexto para uma política de extermínios, de “limpeza” social e perseguição política.

Esse morticínio não é feito sequer de forma velada. Em setembro do ano passado, Duterte chegou a admitir a existência de “execuções extrajudiciais” em operações policiais. Antes, havia orientado militares “a disparar nas vaginas” de um grupo de mulheres militantes.

Lamentavelmente, mesmo separados por um vasto oceano, não estamos tão distantes das Filipinas de Duterte, o qual, não esqueçamos, também foi eleito. Ao longo de sua trajetória, Bolsonaro tampouco fez questão de esconder seus ideais mais bizarros. Atacou os direitos humanos, defendeu o extermínio policial e a violência contra minorias.

Sobre o massacre de 111 presos no Carandiru em 1992, disse que “morreram poucos, a PM tinha que ter matado mil”. Durante a campanha presidencial, afirmou no Jornal Nacional: “Se o policial matar 10, 15 ou 20, com 10 ou 30 tiros cada um, ele tem que ser condecorado e não processado”. Recentemente, investigações apontaram que gente ligada a integrantes das milícias e esquadrões da morte no Rio de Janeiro trabalhou em seu gabinete e de seu filho.

Sergio Moro vem de outra trajetória. Apesar de toda sua parcialidade na condução da Operação Lava Jato, sobretudo em relação a Lula, alguns depositaram nele a esperança de moderação e freios às propostas absurdas do chefe. Houve quem acreditasse que ele seria um representante da civilização num governo da barbárie.

A ilusão teve vida curta. Em menos de um mês assistimos ao decreto que flexibilizou a posse de armas. Agora, o ministro é autor de uma proposta que, na prática, legaliza a pena de morte, ao absolver de antemão a letalidade policial. Vale lembrar que temos números inadmissíveis. Dois anos atrás, 14 cidadãos foram mortos diariamente por policiais no Brasil, totalizando 5.144 vítimas. Temos uma das polícias que mais matam no mundo.

As relações internacionais do primeiro mês de Bolsonaro na Presidência mostram o tipo de liderança política que o inspira. Vicktor Órban e Matteo Salvini, representantes da xenofobia na Europa, Benjamin Netanyahu e a covardia contra o povo palestino no Oriente Médio, Donald Trump e a separação de crianças imigrantes de seus pais nos EUA.

Agora o pacote “anticrime” de Sérgio Moro inaugura oficialmente a conexão Brasil-Filipinas.

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