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Juliano Medeiros | Curto-circuito no governo Bolsonaro

Originalmente publicado na Revista Fórum.

A primeira semana de Jair Bolsonaro como presidente mostrou que, além de atacar políticas sociais e desprezar os mais pobres, seu governo é uma verdadeira bomba-relógio. Bastaram alguns poucos dias para as primeiras manifestações do novo presidente geraram dúvidas entre setores do mercado e mal-estar entre membros do próprio governo. Suas falas sobre a reforma da previdência, aumento de impostos, extinção da Justiça do Trabalho e cooperação militar com Estados Unidos desagradaram apoiadores e atropelaram seus próprios ministros.

Em entrevista ao SBT, Bolsonaro apresentou o esboço do que será sua reforma da previdência. Embora tenham a mesma base, a proposta de Bolsonaro é pior que a de Temer. Pelo texto que está no Congresso, a idade mínima de 65 anos para homens só estaria em vigor em 2029, para funcionários públicos, e em 2039, para empregados do setor privado. Na proposta de Bolsonaro a idade mínima aumentaria para 62 anos (homens) e 57 anos (mulheres) “um ano a partir da promulgação e outro ano a partir de 2022”. Acontece que Bolsonaro disse também que “o futuro presidente, entre 2023 e 2028, reavaliaria a situação para passar para 63 ou 64 (anos)”.

Ou seja, o aumento da idade mínima na proposta de Bolsonaro (menor em relação à proposta original de Temer) é um engodo. E o governo ainda deixará uma brecha para aumentar novamente a idade mínima até que as pessoas não possam mais se aposentar, ao invés de devolver para o sistema de Seguridade Social os recursos retirados pela DRU, pelas desonerações na folha do setor privado e pelos caloteiros da previdência.

Acontece que essa proposta de reforma parece não ter agradado seu “superministro” da economia, Paulo Guedes. Nos bastidores, o ministro teria mostrado descontentamento, defendendo uma reforma ainda mais agressiva, com a manutenção da idade mínima prevista na proposta de Temer e avançando para o modelo de capitalização ainda na gestão de Bolsonaro. Foi atropelado pelo presidente e pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. O famoso “posto Ipiranga” do presidente ficou falando sozinho.

No dia seguinte, novo conflito. Em entrevista coletiva, Bolsonaro anunciou mudanças nas faixas do Imposto de Renda e o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) como forma de compensar a prorrogação de incentivos fiscais para os estados do Norte e Nordeste. Horas depois o secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, e o ministro da Casa Civil tiveram que sair a campo para, com indisfarçável constrangimento, desmentir o presidente. Dois subordinados afirmando que o presidente assinou um decreto sem conhecer seu conteúdo… Um vexame!

No mesmo dia, Bolsonaro retomou sua ofensiva contra os direitos dos trabalhadores. Ele, que no segundo dia de mandato havia reduzido o valor do salário mínimo aprovado pelo Congresso Nacional de R$ 1.006,00 para R$ 998,00, voltaria a manifestar sua intenção de extinguir o último recurso de defesa dos empregados contra os patrões: a Justiça do Trabalho. Seu “superministro” da Justiça, Sérgio Moro, manteve-se calado, como costuma fazer quando lhe é conveniente. A reação, porém, veio da própria magistratura.

Em nota, a mais poderosa entidade integrada da magistratura e do Ministério Público, a Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público, fórum que agrega 40 mil juízes, promotores e procuradores em todo o País, alertou que a “supressão” ou a “unificação” da Justiça do Trabalho, tal como defendido por Bolsonaro, representa uma “grave violação” à independência dos Poderes e à Constituição Federal. Com isso o presidente conseguiu a proeza de desagradar, em menos de uma semana, o poder Judiciário e colocar Sérgio Moro numa tremenda saia justa.

Mas não parou por aí. Bolsonaro mostraria ainda que sua disposição de colocar o Brasil de joelhos diante do governo de Donald Trump não encontra acolhida entre seus ministros militares. A proposta de construção de uma base militar dos Estados Unidos no Brasil, celebrada pelo Secretário de Estado do governo Trump, Mike Pompeo, foi mal recebida por setores das Forças Armadas no Brasil.

Segundo matéria veiculada pela revista Veja, pelo menos três generais teriam manifestado contrariedade diante da hipótese de construção de uma base militar estadunidense em território nacional. A assessoria do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, desconversou, informando que ele “não tem conhecimento de qualquer tratativa nesse sentido e que não tratou do tema com o presidente”. O Ministério disse também que não seria possível avaliar vantagens e desvantagens para as Forças Armadas brasileiras “sem ter conhecimento de possíveis condicionantes envolvendo o tema”. No lugar de sustentar as declarações do chanceler Ernesto Araújo em reunião realizada em Lima, e as próprias manifestações de Bolsonaro, seu principal ministro militar preferiu distanciar-se da proposta. Hoje o jornal Folha de São Paulo confirma que o presidente fez chegar ao comando das Forças Armadas seu recuo em relação à base militar.

Embora tenham repercutido muito menos que o vídeo da ministra Damares Alves afirmando que, na “nova era” que se iniciava, meninos vestiriam azul e meninas vestiriam rosa, os conflitos no interior do governo Bolsonaro não devem ser minimizados. Se o presidente é claramente limitado intelectualmente e prefere gastar horas do seu dia em conflitos pelas redes sociais, rebus sic stantibus, não espanta que apareçam curto-circuitos entre seus subordinados. A questão, porém, é que isso pode fazer um governo ruir em pouco tempo. Mas será que isso seria tão ruim?

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