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Marcelo Freixo | Marias, Mahins, Marielles, malês

Originalmente publicado em O Globo.

Na quinta-feira, completaremos um ano sem Marielle Franco e Anderson Gomes. O assassinato de Mari não significou para mim a perda de uma companheira de trabalho, mas de uma pessoa com quem construí por muitos anos uma relação de muito amor e cumplicidade.

Nossa história vem de longe. Conheci Marielle em 2002, na formatura de Anielle, sua irmã, de quem era professor. Nossos caminhos voltaram a se cruzar, e depois disso não mais se separaram, em 2006, num evento chamado Domingo é Dia de Cinema, que reunia alunos de pré-vestibulares comunitários para assistir a filmes e debatê-los. Mari era uma dessas alunas.

Ela estava começando a se interessar por política, a pensar sobre seu lugar como mulher negra, mãe, moradora da Maré, numa cidade marcada pelo racismo. Nesse despertar, Mari se engajou em minha campanha a deputado estadual em 2006 e, após nos elegermos, ela e Renata Souza, hoje deputada estadual, foram escolhidas pelos moradores da Maré para ingressarem na equipe.

Nesses 12 anos de convivência, construímos uma relação de pai e filha, nunca perdemos o cuidado um com o outro. Sempre encontrávamos tempo para conversar sobre a família, nossos corações, nossas angústias.

Fiquei muito orgulhoso ao ver eleita vereadora, com 46.502 votos, aquela menina que veio de um pré-vestibular comunitário, que começou a trabalhar muito nova, que foi mãe cedo, que na sua fome de descobrir e mudar o mundo se envolveu na luta por direitos humanos, se formou socióloga e fez mestrado em Administração Pública. Marielle Franco era uma potência, carregava em si, em sua história, as esperanças de muita gente, das mulheres, dos negros, dos moradores de favela, por uma democracia cujo eixo fosse a promoção da igualdade e da justiça social.

Vivemos num país em que mais de 60 mil pessoas são assassinadas por ano. A vida de Marielle não valia mais do que qualquer uma dessas vidas. Mas precisamos sempre reafirmar que ela não foi morta devido a um assalto, violência doméstica, crime passional. Marielle foi sumariamente executada. E o assassinato de uma vereadora é um crime político que atenta contra a democracia e o estado de direito.

A sua execução foi um recado. Não sabemos ainda quem são os seus autores, mas entendemos a mensagem e precisamos respondê-la. Para fazermos isso, não é suficiente saber quem a matou, mas principalmente quem a mandou matar. Precisamos identificar que grupo político, em pleno século XXI, é capaz de assassinar uma autoridade pública que atravesse seu caminho.

Em 2008, durante a CPI das Milícias, definimos o Rio como um lugar em que polícia, política e crime estão envolvidos como em nenhuma outra parte do país. Um exemplo disso é a relação de políticos com milicianos, que transformam o seu domínio territorial, imposto através do terror, em domínio eleitoral. Não podemos naturalizar que políticos se associem a grupos criminosos para se fortalecer politicamente. Assim como não podemos naturalizar a existência de um grupo de extermínio chamado Escritório do Crime, muito conhecido de todas as autoridades da área da segurança pública, mas que continua agindo impunemente. O nome escritório, inclusive, é apropriado para uma cidade em que o crime virou negócio, principalmente eleitoral. Por que precisamos perder pessoas como Marielle para que grupos criminosos e os poderosos que os protegem comecem a ser investigados?

Desta vez será diferente. Os poderosos pensaram que Marielle Franco seria apenas mais uma mulher negra morta, mas as reações mostraram que eles, que fazem isso desde o Brasil Colônia, estão fora do tempo. Mais do que saudade, o mundo tem muita fome de justiça, igualdade e liberdade. E agora está gritando que finalmente chegou a vez de ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês.

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