Por Paula Coradi, presidenta nacional do PSOL, no Blog da Boitempo
19 de setembro de 2025
O atual cenário político brasileiro, marcado pela aprovação da PEC da Blindagem e do regime de urgência para a anistia aos condenados pela tentativa de golpe de Estado, revela uma perigosa aproximação entre o Centrão e a extrema-direita. Essa união não é apenas uma manobra tática, mas uma ameaça direta à integridade do parlamento e aos alicerces do Estado Democrático de Direito. Em um momento em que a sociedade clama por transparência e responsabilidade, o congresso parece seguir o caminho oposto, priorizando a autoproteção de seus membros e a validação de atos antidemocráticos.
A Proposta de Emenda Constitucional da Blindagem é, em sua essência, um retrocesso civilizatório. Ela não apenas dificulta, mas virtualmente inviabiliza a responsabilização de parlamentares por crimes, criando um mecanismo de “autoproteção” que viola o princípio da isonomia perante a lei. Já vimos isso na prática: de 1988 a 2001, quando a lógica da PEC da Blindagem estava em vigor no Brasil, dos 253 pedidos de investigação abertos pelo Supremo Tribunal Federal, a câmara autorizou a investigação de apenas um. Ao permitir que a própria Câmara dos Deputados decida se um de seus membros deve ser investigado, a PEC cria um claro e inaceitável conflito de interesses. Isso, na prática, transforma o legislativo em uma ilha de impunidade, onde a fiscalização externa, tão vital para a saúde de qualquer democracia, é neutralizada por interesses corporativistas. Diante de um congresso em que o presidente Hugo Motta sequer colocou em votação no plenário a cassação de Chiquinho Brazão, podemos imaginar que as consequências são gravíssimas, pois essa proposta pode impedir investigações essenciais, principalmente aquelas que envolvem o uso indevido de verbas públicas, desvio de emendas parlamentares, corrupção e todo tipo de crime, incluso contra a vida. Em vez de atuar como guardião dos interesses públicos, o legislativo passaria a se blindar contra a justiça, enfraquecendo a capacidade do sistema judicial de atuar de forma independente e eficaz. Este projeto não é apenas um artifício legal; é um ataque à própria noção de que ninguém está acima da lei.
Paralelamente, a tentativa de anistiar os condenados pela tentativa de golpe de Estado é igualmente grave e representa uma profunda ferida na memória histórica do país. Crimes contra o Estado Democrático de Direito, como a abolição violenta da ordem constitucional, não podem e não devem ser perdoados. A história, tanto no Brasil quanto no mundo, nos ensina uma lição cruel: a impunidade para atos antidemocráticos é um precedente perigoso. Ela não apenas encoraja a repetição de tais atos, mas também corroi a confiança nas instituições. A ideia de que o perdão traria “pacificação” é uma falácia perigosa. A verdadeira pacificação de uma sociedade só pode ser alcançada através da justiça e da responsabilização. Anistiar golpistas, por outro lado, validaria a sensação de que é possível voltar a cena do crime e atacar as instituições democráticas sem sofrer as devidas consequências, como já foi feito na história recente do nosso país. Isso poderia encorajar novos atos de violência política, legitimando o uso da força e da destruição como ferramentas de contestação política, desestabilizando ainda mais a sociedade e minando os valores democráticos que tanto custaram a ser conquistados.
Diante da postura do Congresso Nacional, que se mostra mais interessado em defender seus próprios membros do que em legislar para o bem-estar e a segurança da sociedade, a resposta a essa agenda de retrocessos não pode e não virá de dentro do parlamento. A única força capaz de frear essa agenda corporativista e antidemocrática é a mobilização popular. As manifestações em locais públicos, a organização em grupos e a participação ativa no debate político são ferramentas essenciais para que a voz da sociedade seja ouvida. A democracia não é um espetáculo passivo; é um processo ativo que exige a vigilância e a participação de todos os brasileiros e brasileiras.
Neste contexto, a mobilização nas ruas já neste domingo (21 de setembro) é crucial para enviar uma mensagem nítida e inequívoca: o povo brasileiro não aceita o avanço do corporativismo e da impunidade. Precisamos dizer não à PEC da Blindagem e exigir o arquivamento de qualquer anistia. A maioria da população já expressou as pautas que realmente interessam: o fim da escala 6×1 e a isenção do imposto de renda para quem ganha até 5 mil reais, essas são as pautas que o congresso deve se debruçar.
A defesa da democracia e da justiça é uma tarefa de responsabilidade inadiável de toda a sociedade. A resposta deve vir das ruas, mas a participação cidadã e popular vai muito além de manifestações pontuais. Ela se traduz no acompanhamento constante das decisões parlamentares, na cobrança por transparência e ética dos representantes e na disseminação de informações qualificadas sobre os riscos que projetos como a PEC da Blindagem e propostas de anistia representam para o país. Somente por meio de uma mobilização plural e persistente, capaz de reunir diferentes vozes e experiências, será possível barrar iniciativas que promovem retrocessos institucionais e consolidar uma cultura política baseada na responsabilidade, no respeito à Constituição e na valorização do interesse coletivo acima de interesses corporativos e que conquiste corações e mentes para uma política que seja capaz de esperançar para mudar o presente para transformar o futuro.

