Em seu artigo na Folha de S. Paulo na semana do Dia de Finados, Guilherme Boulos relembra as tantas famílias que homenagearam seus mortos em um ano tão trágico como esse de pandemia e aproveita para falar sobre a tradição brasileira como nação de não elaborar com profundidade seus lutos.
“Ao longo da nossa história, infelizmente, construímos a tradição de não elaborar nossos lutos, mas de recalcá-los em transições por cima”, avalia Boulos.
“O morticínio na colonização nunca foi elaborado, criando uma cultura de exaltação aos bandeirantes. O horror da escravidão também não, fazendo nascer da Lei Áurea uma sociedade estruturalmente racista. Os crimes da ditadura tampouco, produzindo uma democratização cheia de traços autoritários e leniente com a tortura cotidiana”, enumera.
Analisando o passado brasileiro, Guilherme Boulos traz uma das perguntas cruciais da atualidade: “O que o Brasil fará com o luto dos mortos da Covid?”, questiona.
“Pode outra vez recalcá-lo, simplesmente virar a página e tentar seguir em frente. Mas a história nos ensina que o esquecimento funciona como uma espécie de legitimação da perversidade”, alerta.
A outra solução, aponta Boulos, é traduzir este luto em memória e reparação pelos que se foram para que nunca mais mortes evitáveis aconteçam no Brasil. “Bolsonaro representa um retorno dos piores traumas nacionais, nunca verdadeiramente superados. A alternativa ao recalque é a elaboração do luto, que, no caso de um sofrimento coletivo, se dá por memória e reparação”, explica.
Como diz o artigo, o maior legado de Bolsonaro em seu governo são os cemitérios cheios. E outro acordo de cúpula para recalcar o trauma da pandemia no Brasil não pode ser tolerado. “Nestes dias, tem-se falado em mais um acordo de cúpula: Bolsonaro como senador vitalício, para que não pague por seus crimes. Seria a produção de um novo recalque nacional. Um desrespeito à memória dos que se foram, ao luto dos que ficaram e um recado para o futuro de que encher cemitérios é um crime aceitável no Brasil”, conclui Guilherme Boulos.

