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Juliano Medeiros | Uma frente para deter a escalada autoritária e para libertar Lula

Originalmente publicado na CartaCapital

Faltavam poucos minutos para o prazo dado pelo juiz federal Sérgio Moro para que Lula se entregasse, quando cheguei a uma pequena sala no segundo andar do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo (SP). Lá estava Lula, tranquilo e bem-humorado, como vinham relatando as pessoas que tinham tido contato com ele mais cedo.

Ele contava para um grupo de dirigentes de partidos e movimentos sociais uma história sobre a indicação de um ministro do STF. Aquela deveria ser uma reunião para definir como lidar com a decisão de permanecer no Sindicato dos Metalúrgicos após o prazo estabelecido por Moro para que Lula se entregasse. Mas acabou se tornando uma conversa informal. Lula já havia decidido abrir um diálogo com a Polícia Federal através de seus advogados, descartando uma resistência à prisão.

Às 16h59 ouvimos, de dentro da sala, uma contagem regressiva. Milhares de pessoas, reunidas em vigília democrática desde a noite anterior, contavam os segundos para o descumprimento da ordem de Sérgio Moro. Um coro emocionante invadiu a sala onde estávamos: “Cinco, quatro, três, dois, um…”. A rua explodiu em festa. A decisão seria resistir à prisão.

Pesaram, no entanto, as opiniões dos advogados de Lula e do próprio ex-presidente, para os quais a resistência, mesmo que pacífica, poderia prejudicar a tramitação dos recursos judiciais aos quais a defesa ainda teria direito e ensejar a decretação de uma prisão preventiva. No dia seguinte, no ato ecumênico em memória da ex-primeira dama, Marisa Letícia, ficou claro que não seria fácil convencer as pessoas ali presentes de que a decisão de cumprir a determinação judicial era o melhor caminho.

Relato esses fatos porque, além de um fortíssimo simbolismo, carregam consigo elementos para uma reflexão sobre os próximos passos da esquerda frente a violência cometida contra o ex-presidente Lula e os ataques à democracia. Claro que a tarefa imediata, como não poderia deixar de ser, é organizar uma ampla campanha suprapartidária de denúncia da arbitrariedade judicial e pela libertação de Lula.

Quem não se somar a esse esforço não terá entendido a gravidade do momento político que vivemos. Estamos diante de uma perigosa escalada autoritária, onde a violência da extrema-direita e a discricionariedade do judiciário são apenas os elementos mais visíveis. A prisão de Lula, nesse contexto, representa uma medida inaceitável, não só pela ausência de provas contra o ex-presidente, mas pelo precedente que inaugura: se prendem o maior líder popular da história recente, o que farão daqui pra frente?

Ninguém em sã consciência deve julgar a opção de Lula de cumprir a decisão judicial de Moro, mesmo que tardiamente. O que seria absurdo, isso sim, é acreditar que há espaço para qualquer tipo de “recomposição” com as elites políticas, econômicas e judiciais do país. A opção de Lula por dirigir-se à Polícia Federal não pode alimentar ilusões no Judiciário.

Desde o golpe de 2016, quando um parlamento conservador viabilizou, sob beneplácito do STF, a deposição de uma presidenta legitimamente eleita, rasgando a Constituição Federal e enxovalhando a soberania das urnas, há uma pressão crescente por um maior fechamento do quadro institucional.

A “doutrina do choque”, através da qual reformas impopulares pró-mercado só podem ser viabilizadas através de regimes de exceção, tem feito a cabeça de muita gente no Palácio do Planalto, no mercado, na Justiça e até nas Forças Armadas.

A prisão política de Lula, medida judicial de maior repercussão desde a redemocratização, expressa o fim de qualquer hipótese de conciliação com as elites. Muitos ex-aliados do PT aplaudiram de pé a condenação de Lula, enquanto ao seu lado estiveram aqueles que realmente têm compromisso com a democracia e as liberdades políticas, ainda que durante seu governo criticassem suas alianças e opções políticas, como o PSOL. O fim do ciclo de conciliação inaugura uma etapa de luta aberta pela democracia e pelos direitos, onde as ruas cumprirão papel decisivo.

A escalada de violência, ódio e intolerância não pode ser detida apenas por dentro das instituições. A impunidade no caso do assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes, o aumento da violência política contra lideranças populares, os tiros contra a caravana do ex-presidente Lula, embora não tenham relação direta entre si, fazem parte de um mesmo contexto e demonstram a ineficácia do aparato jurídico-repressivo surgido da Constituição Federal de 1988 quando se trata de garantir as liberdades democráticas.

Diante dessa situação, os apelos da militância reunida em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC para que Lula não se entregasse apenas revelam que subsiste uma forte consciência democrática em parcela do povo brasileiro.

É com essa parcela que a esquerda deve dialogar para fazer frente a escalada autoritária em curso. A proposta de formação de uma frente democrática, apresentada numa reunião realizada recentemente entre presidentes de diferentes partidos de oposição ao governo Temer, é uma urgência.

Essa frente não pode se resumir a partidos. Não deve sequer se resumir ao mundo da política. Deve agregar entidades da sociedade civil, movimentos sociais, intelectuais progressistas, artistas, imprensa alternativa, líderes religiosos, dentre outros setores que defendem a democracia.

Tampouco pode ser confundida com uma frente eleitoral. Deve ter como eixo: a) a garantia da realização de eleições democráticas e livres; b) o combate à violência da extrema-direita e a libertação de Lula; c) e a defesa dos direitos sociais e da soberania nacional.

Se conseguirmos arregimentar nessa articulação parte expressiva da sociedade brasileira, poderemos conter o crescente de autoritarismo e violência. Desatar uma campanha pela libertação de Lula e uma frente democrática que saiba conviver com a pluralidade de posições, é um dever. Com isso, teremos feito nossa parte. E a entrega de Lula, na tarde do último sábado, não terá sido um ato em vão.

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