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Solidariedade com a Bolívia: em defesa de eleições livres e do Estado plurinacional

Durante este mês de agosto, a crise política na Bolívia aberta pelo golpe de estado de novembro de 2019 ganhou novos capítulos dramáticos. A tentativa do governo ilegítimo de Jeanine Áñez de postergar pela terceira vez a data das eleições presidenciais foi derrotada nas ruas pela contundente mobilização dos trabalhadores mineiros, camponeses e indígenas. Ante a imensa disposição de luta demonstrada pelos distintos setores populares em favor da democracia e contra a feroz repressão do Estado, o Tribunal Supremo Eleitoral teve que declarar que o primeiro turno das eleições presidenciais será realizado impreterivelmente em 18 de outubro de 2020.

A questão agora para os movimentos sociais e para a classe trabalhadora boliviana consiste em lutar por eleições livres e pelo Estado Plurinacional. Somente assim, será possível barrar de vez o golpe racista e pró-imperialista das oligarquias brancas do país.

E nesta batalha crucial da luta de classes na Bolívia, todos os povos latino-americanos possuem uma grande responsabilidade e dever de atuação; as consequências desta disputa não se limitarão às fronteiras bolivianas, mas se estenderão por todo o continente. Caso o regime reacionário e fraudulento triunfe, sem dúvida, sairá fortalecido o eixo Bolsonaro-Duque-Piñera e congêneres. Por outro lado, caso o movimento de massas na Bolívia imponha a sua vitória, a efervescência gerada pela rebelião popular no Chile e pelo levante indígena no Equador em 2019 certamente será reativada, após o arrefecimento da pandemia e do próprio golpe boliviano.

Especificamente, a vitória da whipala na Bolívia também será um grande incentivo para as lutas travadas pelos mapuches no Chile, pelos garífunas em Honduras, pela CONAIE no Equador e pela vasta gama de povos originários do continente que resistem heroicamente à ação criminosa dos diferentes Estados em favor do capital transnacional.

Vale recordar que a Bolívia é o país com a história mais revolucionária de nosso continente, o que implica também em constatar que a Bolívia é o país onde as elites mais lançaram mão de golpes de estado, frequentemente com a participação do imperialismo estadunidense de olho nos extraordinários recursos naturais do país andino.

Em 1952, por exemplo, após a vitória eleitoral do Movimento Nacional Revolucionário (MNR, de centro-esquerda reformista), os trabalhadores mineiros com armas na mão lideraram o processo revolucionário que derrotou a tentativa de golpe do Exército branco, cujo objetivo principal era conservar o controle das minas por “La rosca”, o trio de famílias mais ricas do país. Deste monumental triunfo das classes populares, inaugurou-se uma fase de 12 anos de governos do MNR, em que – embora nem todas as questões de poder para os trabalhadores e o povo foram resolvidas – foram alcançadas conquistas sociais fundamentais: nacionalização das minas, criação da empresa mineira do estado com controle operário, formulação as primeiras propostas de reforma agrária e instalação do sufrágio universal.

Tal período histórico conhecido como Revolução Nacional (RN) teve um fim trágico em novembro de 1964, quando Victor Paz Estenssoro (MNR) sofreu um golpe encabeçado pelo seu vice, o general René Barrientos. Seis meses mais tarde, após sufocar sucessivas greves gerais e massacrar lideranças de esquerda e dirigentes mineiros, Barrientos envia tropas e esquadrilhas para ocupar militarmente as minas e esmagar os últimos focos da Revolução de 1952. Em 1964, o sangrento golpe militar do General Barrientos ocupa até os socavões das minas para destruir as conquistas que ficavam da revolução de 1952 e terminar com as organizações revolucionarias e o movimento mineiro.

Em 1967, o grande Che Guevara se lança à zona selvática para fazer uma nova revolução em nosso continente que continue o caminho aberto pela revolução socialista de Cuba. Sua morte não foi em vão. Poucos anos depois, em1971, os militares de esquerda de general Torres tomam o poder e se constrói a Assembleia Popular, que unifica camponeses e operários e se converte em novo poder até que novamente os militares com um novo golpe terminam com a Assembleia Popular.

Neste cenário de revoluções e golpes na Bolívia agora se confronta a uma nova reação golpista. O processo que agora se encontra em jogo iniciou-se com significativas mobilizações em 2000 (Guerra da Água, Guerra do Gás, lutas campesinas e indígenas), que culminou na ascensão ao poder do Movimento al Socialismo (MAS), cujo aspecto inédito mais sobressaliente é o protagonismo de lideranças genuinamente indígenas e/ou operárias. Ainda que se possa mencionar e tirar lições de equívocos e limitações dos governos chefiados por Evo Morales (2006-2019), houve uma transcendental conquista das populações oprimidas em seu governo: o Estado Plurinacional, isto é, a maioria indígena no poder. Este avanço histórico, concebido legitimamente por uma Assembleia Constituinte e respaldado logo depois por um referendo popular, junto com a medida de nacionalização dos hidrocarbonetos, nunca foi tolerado pela burguesia branca e pelos setores fascistas do sul de Santa Cruz.

A exemplo dos militares em 1965, as elites brancas e seus representantes na superestrutura pretendem em 2020 varrer novamente todas as conquistas dos governos do MAS. Para tanto, precisam emular o golpe sangrento de Barrientos. Mas a resistência popular tem impedido que a repressão chegue a tanto.

Se é inegável que eles já deram um primeiro passo na repressão e na perseguição de opositores, seu projeto original encontra-se inacabado, visto que não puderam esmagar o heroico campesinato e a classe operária boliviana. Num quadro de pandemia descontrolada e de gestão sanitária caótica, os adiamentos eleitorais e os escândalos de corrupção no interior do governo ilegítimo despertaram no povo a vontade de se levantar mais uma vez.

E assim, os trabalhadores mineiros e os movimentos sociais organizaram um calendário bem-sucedido de paralisações, enquanto camponeses e populares estabeleceram bloqueios em centenas de pontos estratégicos do país, interrompendo a vida prática de uma sociedade regida por uma “democracia de fachada”. Esta ação potente, em que apareceram com relevância jovens dirigentes operários como Orlando Gutiérrez (Federação de Mineiros), mudou o curso da situação, mas ainda não a definiu.

A burguesia branca e o imperialismo tiveram que retroceder momentaneamente, contudo sem abandonar seu tradicional revanchismo. Dezenas de ativistas na linha de frente dos bloqueios em favor da democracia começam a sofrer processos judiciais persecutórios, demonstração inequívoca de que um regime ilegítimo só pode se sustentar de pé em cima de novos atos ilegítimos.

Para deter a repressão contra o povo boliviano mobilizado, é imprescindível que se intensifique por todos os países latino-americanos a solidariedade internacional, tendo como principais eixos “eleições livres” e a “defesa do Estado Plurinacional”.

Conforme se avizinhe o 18 de outubro, delegações de observadores estrangeiros que atuem com independência precisam ser organizadas a fim de que a lisura do processo eleitoral não sofra violações ou de que relatórios fraudulentos como o da OEA em 2019 não se repitam. Os rumos da luta de classes e da democracia na América Latina nunca dependeram tanto da Bolívia quanto agora.

Secretaria de Relações Internacionais do PSOL
27 de agosto de 2020

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