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PSOL exige julgamento sem voto secreto no Caso Renan

A bancada do PSOL no Congresso divulgou carta em que lista evidências contra o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB/AL), exigindo que o Conselho de Ética vote a representação contra o senador "de forma objetiva e transparente aos olhos da nação".

Após relembrar as várias denúncias e pontos pouco esclarecidos da
defesa de Renan, o PSOL – autor da representação relacionado ao fato de
Renan ter tido contas pessoais pagas por um lobista – defende que "a
promiscuidade entre grandes interesses privados e exercício de mandato
público é total".

"A teia de relações de compadrio e a habilidade no trato com a
corporação parlamentar não elidem a triste conclusão de que a ética e o
decoro parlamentar foram esquecidas, de há muito. O Senado da
República, arrastado para o turbilhão da crise da representação
política, precisa dar uma resposta à altura, sem o manto ilegítimo do
voto secreto, sob pena de desmoralizar-se de vez".

Segue o documento na íntegra.

 

Uma quebra de decoro cada vez mais evidente

O Senado Federal, inicialmente através do seu Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, tem a grave tarefa de julgar a representação que nós, do PSOL, oferecemos, com abertura de processo disciplinar contra o senador Renan Calheiros. Que o faça de forma objetiva e transparente aos olhos da Nação. Nunca é demais lembrar que a nossa representação, a primeira de três que o senador enfrenta, indica quebra de decoro por possível pagamento de despesas pessoais através de alto funcionário da empreiteira Mendes Jr, empresa interessada em negócios públicos, aumento ilegal de patrimônio e colocação de bens em nome de terceiros.

A documentação que o senador apresentou como "prova cabal" de que toda sua movimentação financeira e patrimonial se dera nos marcos legais e que, com isso, provaria ter recursos suficientes para arcar com a pensão paga à jornalista Mônica Veloso, é um dos aspectos da análise da procedência – que sustentamos com convicção – do pedido de interrupção de seu mandato e suspensão de seus direitos político-eletivos.

A perícia do Instituto de Criminalística, nesse sentido, é reveladora e contundente:

Evidência 1. A conta corrente do Representado apresentada para exame não tem saques ou transferências bancárias coincidentes ou correspondentes nos valores e períodos dos repasses para a Sra. Mônica. A Perícia afirmou, respondendo ao quesito 24, que perguntava se havia saques em dinheiro ou transferências bancárias das contas do Senador Representado, coincidentes ou correspondentes aos valores e ao período em que foi beneficiária a Sra. Mônica Veloso e/ou sua filha nos alegados pagamentos de despesas ou dispêndios de alimentos, a perícia respondeu que não foram identificados saques em espécie ou transferências bancárias na conta corrente enviada ao exame.

1.1. Sobre a movimentação bancária do senador Renan Calheiros, a perícia recebeu do representado relação de cheques, discriminando por datas e valores, que, segundo as afirmações do Representado, teriam sido utilizados para retiradas em espécie no Banco do Brasil e na Caixa Econômica Federal. Entretanto, sobre esta documentação, dadas as características do instrumento financeiro cheque, a perícia concluiu que há inúmeras e diversas possibilidades de contrapartida dos débitos na conta do representado, tais como pagamentos de contas, depósitos em dinheiro na conta de terceiros, DOC´s, ordens de pagamentos e, inclusive, retiradas em espécie. Não é certo, portanto, que os valores sacados da conta corrente do senador Renan Calheiros tenham sido para pagamento da pensão ou despesas com sua filha. O senador Representado não desincumbiu-se do ônus que lhe coube de comprovar que teria pago, como alegou, as despesas com a mãe de sua filha com recursos próprios. Para o esclarecimento total dos fatos haveria, então, a necessidade imprescindível de acesso a toda documentação de suporte, tais como cópias dos cheques, fita detalhe do caixa e, principalmente, o documento de controle de transações em espécie, conforme normativos do Banco Central (p. 32 da perícia). Estes documentos imprescindíveis, não foram trazidos pelo Representado aos autos.

1.2. A Polícia Federal, analisando os extratos da conta corrente do Representado, informa que o senador realizou inúmeras transferências do tipo “DOC D”, o que evidenciam haver outras contas correntes e movimentações bancárias não apresentadas para serem periciadas. A informação dos Peritos levanta a suspeita de que a evolução patrimonial, as declarações de renda, as movimentações bancárias e os negócios do senador podem não estar totalmente esclarecidos. Se há outras contas correntes e outras movimentações bancárias, é possível que o patrimônio e os negócios declarados pelo Representado sejam outros, talvez maiores.

1.3. Ainda confirmou a perícia, quanto aos créditos ocorridos nos extratos bancários e descritos nos recibos, apresentados como oriundos de venda de gado e relativos aos anos 2003 e 2004, que as NFPs disponibilizadas não refletem os depósitos bancários e respectivos recibos (p. 33, resposta ao quesito 5). A dissonância dos documentos anota que o senador ou não vendeu o gado como diz ter vendido, ou não depositou os valores em sua conta corrente. O certo é que as importâncias depositadas, os créditos bancários nas contas do representado, nos anos de 2003 e 2004, possivelmente não são oriundos de venda de gado. A incongruência entre os valores creditados na conta corrente e os valores das notas fiscais e dos recibos, pode significar, outrossim, que o gado foi vendido à menor. Indica fortemente a prática de ilícito de natureza fiscal e penal, vez que demonstrado está que os supostos negócios agropecuários do senador neste período foram documentados por notas fiscais com valores muitas vezes inferiores ao eventualmente recebido.

1.4. Assim, o Senador Renan Calheiros não comprovou suas alegações a respeito dos saques em suas contas bancárias com aos documentos que apresentou. Em verdade acabou por declarar negócios que burlaram o fisco e que possivelmente foram feitos à margem da oficialidade do sistema bancário.

Evidência 2. A quantidade de reses declaradas no Imposto de Renda é incompatível com os dados de vacinação do rebanho. A Perícia, em verdade, não conseguiu comprovar a propriedade do gado, a totalidade do rebanho negociado e sequer a venda nos valores das notas fiscais ou dos recibos.

2.1. A análise das Declarações de Imposto de Renda do senador em 2002 a 2006, da declaração de vacinação contra febre aftosa, das Notas Fiscais e dos recibos demostram várias e severas inconsistências, divergências, incompatibilidades e contradições, a tal ponto que declaram os Peritos que frente as “inconsistências e precariedade” dos documentos analisados, “que a documentação enviada a exame não comprova, de forma inequívoca, a venda de gado bovino nas quantidades e valores das NFPs, recibos e DIRPFs, anos-calendário de 2004 a 2006” (p. 16 do Laudo).

2.2. Não se sabe a quantidade do gado que o senador possui. As informações constantes das notas fiscais, declarações de vacinação, GTA, recibos e declaração de renda são de tal modo conflitantes que os Peritos não puderam sequer anotar exatamente quando gado bovino dispunha o senador para a venda. O senador declarou que possuía 1.600 reses no final de 2004 e que possuía a quantia de 1.950 em abril de 2005. A Perícia, entretanto, concluiu que o senador tinha, na verdade, 1.593 cabeças de gado, numa diferença significativa de mais de 350 reses. Pelos registros de vacinação o senador declarou ter mais gado do que realmente possuía, deste modo talvez intentando justificar a licitude do montante de recursos que detinha em suas contas correntes e de sua capacidade econômico-financeira para arcar com os altos valores pagos à sua filha. As incongruências e a precariedade das informações levantadas pela Perícia trazem a forte suspeita de que as vendas declaradas, seus valores e os documentos que as formalizaram não condizem com a realidade dos fatos. Se o senador não tinha a quantidade de gado que dizia possuir, as vendas não aconteceram como ele alega e os valores que movimentou certamente têm outra origem, não esclarecida pelas alegações de defesa ou sequer pelos documentos apresentados. Assim, é forte a possibilidade de que o senador tenha praticado falsidade em seus documentos fiscais, contábeis e em suas declarações de renda. Há indícios de que sua capacidade econômica não advenha tão somente da venda de gado, suspeita levantada inicialmente pela Representação.

2.3. Não se sabe quais exatamente os valores e a quantidade de gado vendido: se as dos recibos, das notas fiscais ou dos cheques. A Perícia anota divergência entre os documentos em todos os anos analisados.

2.4. No período entre julho de 2003 a dezembro de 2006 o senador teria realizado setenta operações de venda, apurando mais de R$1,7 milhões. Das vendas supostamente realizadas, apenas em pouco mais da metade pôde a Perícia verificar se fora praticado o preço de mercado. Ainda assim, as imprecisões do tipo de gado vendido exigiram da Perícia apenas uma indicação estimada do preço do gado. Das vendas onde o valor foi verificado, quase vinte por cento (20%) estavam superfaturadas e boa parte com o valor à menor. É possível então que o senador, pelo menos oficialmente, tenha tido prejuízo em inúmeras vendas. Estas vendas por valor à menor, contudo, não refletiram na evolução patrimonial do Representado que, mesmo com perda de ganho, acumulou sempre um significativo e progressivo aumento da lucratividade e do patrimônio.

2.5. Não se sabe exatamente quem pagou e quem comprou o gado. A Perícia verificou que há 16 (dezesseis) supostas transações de gado onde o comprador e destinatário do gado não são os mesmos que realmente pagaram pelo gado. Há, inclusive, recibo assinado pelo senador em favor de comprador que certifica nunca ter comprado gado do representado (p. 20 do Laudo). É muito provável, aqui também, a prática do crime de falsidade.

2.6. Há serias dúvidas se as vendas realmente existiram, bastando ver a declaração do Sr. José Leodácio (p. 20 do Laudo), segundo o qual “em tempo algum” comprou gado do senador. Uma vez mais não conseguiu o senador comprovar o que alegou, agora relativamente à quantidade do gado, seu transporte e as vendas.

2.7. Os Peritos constataram que nota fiscal n. 1.370 , que atestaria a compra de 1.500 doses de vacina, é posterior à vacinação do rebanho do Senador Representado. O termo de declaração de vacinação contra a febre aftosa aponta a vacinação do rebanho oito dias antes da aquisição da vacina. A compra da vacina se deu em maio e a vacinação em abril. Aliado a incongruência, constatou a perícia, através das declarações por ele mesmo prestadas, que o senador deveria possuir pouco mais de mil reses no período. O número de reses declarado na DIRPF é contraditório ao número de reses que foram declaradas como vacinadas e as notas fiscais de venda. Os fatos reforçam a suspeita de que o senador tenha praticado o ilícito de falsidade ideológica, talvez no intuito de burlar o fisco. As constatações da Perícia, de outro lado, reforçam também a idéia de que possivelmente houve a tentativa de transparecer que o representado teria, com o gado, maior e lícita capacidade econômica.

2.8. Em todos os períodos foram constatadas pela perícia sérias divergências nos valores das notas fiscais e dos recibos. Esta ilicitude exigiu a prática de outra ilícito: a expedição de notas fiscais complementares com a data do documento a ser suplementado. Muito além de mero equívoco formal, a emissão das notas suplementares sem a data de quando foram efetivamente emitidas, pode ter significado uma recente tentativa de legalização da burla fiscal e contábil ocorrida.

2.9. Constatam os peritos que uma nota fiscal de número 102 tem emissão anterior à nota fiscal número 101. A nota nº 101 foi emitida para Olavo Calheiros Filho e a de nº 102 para MW Ricardo da Rocha ME, eventuais compradores de gado. A prática possivelmente formalizou, de modo ilícito, uma venda não documentada. A diferença das datas de emissão é de mais de 15 dias. Outra irregularidade anotada na transação da nota fiscal 101, diz respeito ao lançamento no extrato bancário de um valor muito superior à venda realizada. O depósito bancário dos valores da venda teria sido feito apenas quinze dias após a transação, certamente porque a nota nº 101 foi emitida antes do pagamento por Olavo Calheiros. A nota foi emitida em 12 de setembro e o pagamento realizado em 27 de setembro.

Evidência 3. Há inconsistências entre as notas fiscais e as Guias de Transporte Animal apresentadas, uma vez mais anotando a incerteza da quantidade de gado, das vendas, dos valores apurados, dos compradores e dos pagadores. Reforçam também a suspeita forte de que o patrimônio tenha sido “maquiado” para parecer maior do que realmente era. Os peritos chegam a afirmar que as GTA não estariam relacionadas com as notas fiscais emitidas pelo senador (resposta ao quesito 18) e que não está comprovado o transporte do gado (resposta ao item 8).

3.1. Em 2005 o senador diz ter vendido 656 reses, contudo no período teriam sido transportados 963 animais. Além da divergência entre a venda e transporte, somente se pode afirmar que 311 reses foram efetivamente vendidas neste período. Em 2006 alega ter vendido 765 reses, mas teria transportado 908 reses. Destes, há confirmação de venda de apenas 220 animais.

3.2. Diante de tamanhas contradições, os peritos concluíram que a documentação trazida pelo senador Representado não comprova a venda do gado bovino “nas quantidades e valores da NFPs, recibos e DIRPFs, anos-calendário de 2004 a 2006, do produtor José Renan Vasconcelos Calheiros”. Não teria sido a venda de gado quem lhe dera o patrimônio capaz de arcar com seus deveres alimentares. Então, se dos meios formais e oficias, documentos, declarações e provas, não se depreende que a lucratividade e patrimônio do senador Renan Calheiros tenham se originado da venda de gado, não é possível outra compreensão da conclusão dos peritos, senão a de que a capacidade econômico-financeira que declarou ter o senador possivelmente adveio de meios não oficiais, não documentados e, muito provavelmente, ilícitos.

Evidência 4. Há notas fiscais emitidas por empresas com inscrição fazendária inativa. Os peritos da Polícia Federal constataram que a empresa GF da Silva Costa e Stop – Comercial de Carnes e Derivados Ltda. estariam inativas ou canceladas no Cadastro de Contribuintes do ICMS do Estado de Alagoas. As notas fiscais emitidas não são juridicamente válidas, seja pelo aspecto fiscal, seja pelo aspecto comprobatório de uma transação comercial. Em linguajar popular seriam “notas fiscais frias”. É bastante provável que o senador Representado tenha se utilizado de documento fiscal inválido e ilegal para buscar provar a venda de gado e sua capacidade econômica. A suspeita de irregularidade e dolosa prática de ilícito é reforçada no detalhamento dos negócios feito pela Perícia (pp. 20 e 21 do Laudo). Em pelo menos cinco transações as empresas atuam conjuntamente. A GF da Silva Costa e a Stop – Comercial ora são as emitentes dos cheques, ora são as emitente das notas fiscais numa mesma venda. A GF da Silva, depois de sua reabilitação, em 18 de junho de 2007, possivelmente teria complementado as notas fiscais emitidas pela Stop – Comercial, assim tentando regularizar as transações ilegais. Aqui talvez a explicação do porque as notas complementares não foram emitidas com a data da complementação, mas indevidamente com a data da venda.

4.1. A mesma GF da Silva Costa, no período em que estava inativa, emitiu notas fiscais com a inscrição estadual de outra empresa, a Carnal – Carnes de Alagoas Ltda. Segundo os peritos, a Carnal também não poderia emitir notas, pois estava inabilitada. É forte a probabilidade de que neste caso o senador Renan Calheiros também tenha se utilizado de notas “frias” para comprovar seus rendimentos. Em todas as transações com estas empresas o comprador não coincide com o pagador. Quem paga pelo suposto gado comprado é sempre outra empresa ou terceiro.

4.2. A Perícia consigna ofício da Secretaria de Estado da Fazenda de Alagoas com afirmativa de que as empresas que realizaram inúmeros negócios com o Representado “estão envolvidas na prática de ilícitos tributários, inclusive a maioria delas exercendo atividades comerciais em lugar incerto e não sabido”. É possível, então, que sejam mesmo empresas “fantasmas”, existentes apenas na formalidade e destinadas a práticas criminosas. No mesmo ofício a Secretaria de Fazenda informa que sobre o frigorífico MAFRIAL, destinatário, segundo o Representado, de boa parte de suas vendas, recaem “fortes indícios de relações escusas” com as empresas mencionadas.

Evidência 5. O senador Renan Calheiros, depois de iniciada a perícia, depois do envio de documentos pelo Conselho de Ética e depois da formulação de quesitos à serem respondidos pela perícia, apresentou no dia 17 de agosto, um aditamento de empréstimo – Instrumento Particular de Novação de Mútuo – no valor de R$ 178 mil, tomado à Costa Dourada Veículos Ltda., empresa de Tito Uchôa, seu primo ou amigo íntimo, segundo declarou. A tentativa de justificar sua capacidade econômico-financeira foi, contudo, desbaratada pela perícia nos documentos que o próprio Representado apresentou. A Polícia Federal chegou à conclusão de que o empréstimo não é factível, sendo absolutamente incongruente e possivelmente inexistente. Inicialmente o senador apresentou notas promissórias de quitação de valores superiores a R$ 500 mil, absolutamente incompatíveis aos supostos valores dos empréstimos – pouco mais de R$178 mil – mesmo se considerarmos os encargos contratuais, juros de mora, correção monetária e outros dispêndios.

5.1. Sobre este “empréstimo”, a perícia da Polícia Federal, examinando o instrumento de empréstimo ou mútuo, as notas promissórias assinadas pelo senador Renan e os Livros Diário da empresa de locação, confirma que os contratos não estão registrados em cartório, prática comum e aconselhada para a prevenção de direitos e eventual cobrança judicial em caso de inadimplemento e absolutamente desejável em se tratando de pessoa pública nacional, membro e representante do Poder Legislativo da República. A ausência do registro do contrato demonstra que o instrumento particular firmado não devia ser de conhecimento público, mas de trato apenas entre o senador e os donos da empresa.

5.2. A análise dos “empréstimos” confirma também que não se cuidou apenas de dois empréstimos, como alega o senador, mas sim de dezenas de retiradas em espécies e periódicas, ocorridas entre os anos de 2004 e 2005 – foram dezenove retiradas em 2004 e um saque a cada quinze dias em 2005, totalizando 24 retiradas. Foram 43 saques em dinheiro e espécie nos dois anos. Este modo de pagamento do mútuo, não previsto no contrato, descaracteriza a transação como um simples empréstimo ou mútuo e anota íntima relação entre o senador e os donos da empresa. Em verdade o senador tinha uma “conta corrente” junto à empresa e retirava o dinheiro na periodicidade que lhe aprouvisse. Esta afirmação se confirma pelo fato, demonstrado pela perícia, de que os valores retirados pelo senador não transitaram pelas contas bancárias analisadas e de que a empresa nunca registrou qualquer receita no período das retiradas de dinheiro ou sequer lançou os encargos contratuais, como juros e correção monetária. O negócio, a conta corrente e seus saques, denota esquema ilegal, realizado de modo escuso e perpetrado à margem da legislação tributária e civil do país.

5.3. A perícia demonstrou que o instrumento firmado em janeiro de 2004 é absolutamente fictício, mero papel que possivelmente intentava forjar, dar a aparência de legalidade e regularidade a uma relação jurídica, ao que indica a perícia, inexistente. Isto porque o contrato que supostamente daria origem aos recursos financeiros do senador sequer estava assinado pelas partes. Um contrato serve para estabelecer obrigações recíprocas entre as partes, que as assumem através da assinatura. Como o contrato não estava assinado, as partes em verdade não assumiram as obrigações estipuladas e o instrumento serve apenas como indício de um negócio. Sem a assinatura o negócio não se convalidou. Cuida-se de negócio de fato e não de direito. Tanto é que o senador apresenta um instrumento particular – também sem registro contábil ou registro público – de “novação” da dívida, firmado posteriormente na possível tentativa de convalidar os negócios anteriormente realizados de modo irregular. A ausência da assinatura retira do contrato qualquer força para uma eventual futura execução ou cobrança judicial. A empresa, mesmo o senador não assinando o contrato, mesmo sem garantia expressa no recebimento dos valores sacados, ainda assim permitiu que fossem feitas dezenove retiradas, sacando o senador em 2004 quase R$79 mil. Acresce ao fato a suspeita sobre as notas promissórias com valores muito superiores ao “empréstimo” e a total ausência de registro das promissórias nos documentos contábeis da empresa credora. Além de uma irregularidade contábil, fazendo supor um “caixa dois”, temos que a nota promissória, como se sabe, é documento de cobrança autônomo que não requer a correspondência com outro instrumento jurídico para sua validade. Não exige, assim, explicações ou justificativas formais para a sua constituição. É um documento unilateral e, similar ao cheque, demonstra o compromisso de um devedor para com o credor de pagar certa quantia numa data determinada, sem necessitar explicar as razões. Assim, dado o alto grau de unilateralidade da nota promissória, aliada no caso a ausência de registro dos títulos na contabilidade da empresa credora, não se pode afirmar com certeza quando e porque as notas promissórias foram constituídas. Elas não servem como garantia dos negócios, principalmente com relação ao primeiro contrato não assinado. Confirmando a ilicitude do negócio, anota a perícia que não há notícia ou registro do pagamento do empréstimo pelo senador Representado, mesmo já tendo vencido o prazo do contrato e de uma das notas promissórias.

5.4. Ainda relativamente à relação escusa com a empresa de Tito Uchôa, o negócio se torna o quanto mais irregular ante a constatação da perícia de que os principais contratos da empresa de locação de veículos foram firmados com a administração pública. Significativa parte das receitas da empresa de Tito Uchôa, amigo íntimo de Renan Calheiros, são oriundos de entes públicos do Estado de Alagoas como pelo menos quatro Secretarias de Estado, duas Companhias Estaduais de serviço público, com o Tribunal de Contas do Estado e outras pessoas públicas estaduais. Por conseqüência óbvia, parte dos recursos sacados pelo senador são recursos de origem pública. Os contratos públicos firmados entre a empresa Costa Dourada e os entes públicos de Alagoas não foram analisados, contudo a perícia da Polícia Federal anotou irregularidade insanável no contrato com o Departamento de Estradas e Rodagens de Alagoas, que teria pago em espécie, e não por ordem bancária ou cheque, mais de R$170 mil por serviços de locação de veículos. Chama a atenção, ainda, num mercado competitivo de locação onde concorrem empresas multinacionais e grandes empresas de abrangência nacional, o fato de que uma só empresa de locação de veículos detenha quase uma dezena de contratos com empresas públicas estaduais.

Evidência 6. A verba indenizatória – instituída para o ressarcimento de gastos feitos no exercício do mandato – foi apresentada como rendimento. O senador declara à Receita Federal como renda os quase R$650 mil recebidos como verba indenizatória, diárias e ressarcimento, num período de cinco anos, assim intentando caracterizá-los como recursos que comprovariam parte de sua capacidade econômico-financeira para arcar com os dispêndios alimentícios que diz ter pago. Ocorre que a utilização e a finalidade da verba indenizatória está adstrita a atividade parlamentar, não podendo, sob as penas da lei relativas à improbidade administrativa, ter uso diverso do previsto, como por exemplo, o pagamento de pensão alimentícia ou pensão.

Evidência 7. O crescimento extraordinário do patrimônio do senador derivou, em boa parte, daquilo que o laudo pericial denomina "atividade rural fictícia", com inexistência de gastos com custeio das atividades nas fazendas, recibo de vendas de gado para empresas fantasmas e superdimensionamento do rebanho.

7.1. Como anotado pelos Peritos, a ausência de registro de despesas de custeio impede que se verifique quais foram exatamente os rendimentos da atividade rural do senador. Ou melhor, a ausência do custeio “inflaciona” a lucratividade da atividade rural. Obviamente, se deduzidas as despesas na manutenção dos bens rurais, a capacidade econômico-financeira e o patrimônio, consequentemente, ficarão reduzidos. Aqui, uma vez mais, constatou a Perícia a forte possibilidade de tentativa do senador de fazer transparecer um patrimônio maior do que ele é realmente. A prática, além de trazer a incerteza da evolução patrimonial do senador, significa em tese o crime de falsidade ideológica e é em tese burla direta ao fisco, vez que impõe-se aos produtores rurais os lançamentos das receitas e despesas e o pagamento dos impostos e encargos devidos. Como não lançou seus custeios com a atividade pecuária, o seu patrimônio não é o que foi declarado e sua lucratividade é menor da que informa ter obtido. Ademais, ante a inafastável ocorrência das despesas, próprias da atividade rural, é se se perguntar: quem pagou pelo custo da produção agropecuária do senador?

Evidência 8. Os processos em curso perante o Conselho têm sofrido toda sorte de interferência da Presidência do Senado, colidindo nas reiteradas trocas de Presidentes do Conselho; nas inúmeras trocas de relatores dos processos; na reiteração de perícia técnica; na recalcitrância na escolha e na aceitação de novos relatores para os processos; na recente saída do Secretário-Geral Adjunto da Mesa do Senado; e na imposição de severas dificuldades para a condução e acompanhamento do processo. O Presidente do Senado, triplamente acusado de quebrar o decoro, tem atuado como um “juiz” que é parte e que possui indisfarçáveis interesses na solução mais branda para os processos. A atuação do Presidente certamente afeta o julgamento dos processos disciplinares e terá a potencialidade de alterar a independência da votação no Plenário.

A "verdade" que o senador Renan Calheiros tanto diz buscar está aí, devastadora: a promiscuidade entre grandes interesses privados e exercício de mandato público é total, e sua atividade política, como é comum na má tradição nacional, comprova-se fundada no patrimonialismo e na construção ilícita de um império político mandonista, familiar e oligárquico, típico do “coronelismo moderno”.

A teia de relações de compadrio e a habilidade no trato com a corporação parlamentar não elidem a triste conclusão de que a ética e o decoro parlamentar foram esquecidas, de há muito.

O Senado da República, arrastado para o turbilhão da crise da representação política, precisa dar uma resposta à altura, sem o manto ilegítimo do voto secreto, sob pena de desmoralizar-se de vez.

 

Brasília, 29 de agosto de 2007.

Bancada do PSOL no Congresso Nacional

Senador José Nery
Deputada Luciana Genro
Deputado Chico Alencar
Deputado Ivan Valente

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